Obras de conservação e prescrição de dívidas
O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que os condóminos têm de alegar o necessário para qualificar, como prestação fracionada, certas despesas com obras de conservação necessárias de condomínio a pagar, quando invoquem a prescrição dessas dívidas após cinco anos. Não cumprindo esse ónus de alegar os factos integradores da exceção, aplica-se o prazo ordinário de 20 anos do Código Civil e o direito a exigir esse pagamento não está prescrito.
O caso
Um proprietário da uma fração instaurou uma ação contra outros dois proprietários de frações no prédio para receber € 5.861,36 mais € 1.823,61 por juros desde 30.05.2015, por entender ser credor desses montantes, já que tinha suportado despesas do condomínio que caberiam aos outros dois condóminos. Em assembleia de condomínio tinha sido fixado por unanimidade o pagamento faseado das despesas que o autor havia pago, com respeito pela permilagem que cada um. Os réus não tinham questionado o montante em dívida, mas apesar de interpelados para o efeito, não efetuaram qualquer pagamento.
Os réus contestaram por exceção, invocando a ilegitimidade do autor e a prescrição do direito; e por impugnação de toda a matéria alegada na contestação, salvo a sua qualidade de proprietários.
O autor não se pronunciou sobre a exceção de prescrição invocada.
O despacho saneador considerou a ação improcedente por se considerar verificada a exceção de prescrição, com a consequente absolvição dos réus do pedido. Julgou ainda que prazo de prescrição a ter em conta era de 5 anos, por a ata da assembleia de condomínio não constituir título executivo.
Inconformado, o autor apelou.
Decisão da Relação de Évora
O TRE julgou a apelação procedente e não considerou considerava verificada a exceção de prescrição. Revogou o saneador recorrido nessa parte.
Decidiu que deve aplicar-se ao caso o prazo ordinário de 20 anos do Código Civil, pelo que o direito do autor não se encontrava prescrito.
Entendeu que a procedência de uma exceção perentória não pode ser decidida sem que antes se provem os factos constitutivos do direito relativamente à qual opera essa exceção, já o mesmo não sucede quando se trate de julgar improcedente uma exceção, como é o caso dos autos.
O TRE lembra que aquele que invoca uma exceção perentória tem o ónus de alegar os factos integradores da exceção.
Na contestação, os réus limitaram-se a alegar que a dívida e omitiram a alegação de factos que permitam qualificar a pretensão do autor como respeitando a uma prestação fracionada. O tribunal a quo estava, portanto, em condições de decidir pela improcedência da exceção de prescrição, independentemente da produção de prova, nomeadamente no que respeita a factualidade probanda com os documentos particulares que foram impugnados pelos recorrentes.
Quanto às prestações exigidas, o TRE decidiu que as prestações periódicas são uma das modalidades das prestações duradouras, sendo que estas últimas, por sua vez, se distinguem das prestações fracionadas ou repartidas.
Nas prestações duradouras, o tempo influi decisivamente na determinação do seu objeto, especialmente do seu montante, enquanto nas prestações fracionadas o decurso do tempo contende apenas com o modo de execução da prestação, servindo o tempo apenas para permitir a liquidação de uma certa prestação, de modo repartido, dividindo-a em duas ou mais prestações que se sucedem separadas por um maior ou menor lapso temporal.
As despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter caráter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efetuar certa obra.
A amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de fatores, como as condições climatéricas, a qualidade de construção, os cuidados dos utentes, ou a periodicidade das intervenções. Por isso as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respetivo fundo comum de reserva podem, por vezes, não ser suficientes para custear obras de conservação necessárias em certo momento.
Ou seja, quando as obras de conservação têm carácter pontual e são custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização e enunciadas no parágrafo que antecede.
Ora, na contestação os réus limitaram-se a alegar a dívida, mas não alegaram nada para qualificar a pretensão do autor como respeitando a uma prestação fracionada, pelo que o tribunal decide pela improcedência da exceção de prescrição e pela aplicação do prazo ordinário de 20 anos do Código Civil.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06.06.2024
Código do Processo Civil, artigos 3.º n.º 3, 547.º, 639.º n.º 2 al. c)
Código Civil, artigos 309º, 310º, 1424º, nº 1″