LEI 8/2022 – NOVA LEI DOS CONDOMÍNIOS

No seguimento das recentes alterações legislativas nomeadamente a Lei 8/2022 que revê o regime da propriedade horizontal, consideramos oportuno para melhor esclarecimento apresentar-vos um artigo publicado pelo site IDEALISTA que conta com a participação e esclarecimentos do Presidente da APEGAC, Dr. Vitor Amaral.

“Há uma nova lei dos condomínios que entra em vigor no próximo domingo, dia 10 de abril de 2022, que vai alterar a vida dos condomínios e também as transações imobiliárias. Todas as vendas de casas passam a ter de incluir uma declaração do proprietário relativa ao condomínio para que se realize a escritura, à semelhança do que acontece com o certificado energético, por exemplo.

As assembleias de condomínio têm novas regras de funcionamento e os administradores ganham novos poderes e obrigações. O novo diploma (Lei n.º 8/2022) também toca na constituição da propriedade horizontal. Para o presidente da direção da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC), há pontos positivos e pontos negativos nesta nova lei dos condomínios.

Vítor Amaral considera que o impacto da nova lei dos condomínios “não será grande para o mercado imobiliário”. Em entrevista ao idealista/news, o responsável detalha os pontos positivos da nova lei dos condomínios e enumera algumas críticas, salientando que muitas alterações “ficaram aquém do expectável e desejável”.

Segundo o especialista em gestão de condomínios, o “legislador poderia e deveria ter ido mais longe”, de forma a abranger “outras situações” que não estão salvaguardadas na Lei n.º 8/2022. Eis a opinião do líder da APEGAC sobre a nova lei dos condomínios, explicada ponto por ponto, numa entrevista concedida por escrito ao idealista/news e que pode ser lida em baixo na íntegra.

Os pontos positivos da nova lei

  • O facto de passar a constituir documento instrutório obrigatório a declaração de encargos de condomínio em vigor e dívidas que possam existir. O adquirente pode prescindir da declaração, mas, em consequência, passa a ter a responsabilidade de pagar todas as dívidas do vendedor ao condomínio;
  • Os encargos de condomínios que se vençam posteriormente à transmissão da fração são da responsabilidade do novo proprietário;
  • A possibilidade da regra da permilagem para o pagamento das despesas do condomínio poder ser alterada por maioria do valor total do prédio, embora sem oposição. Até agora a lei exigia a aprovação por dois terços do valor total do prédio, também sem oposição;
  • Define objetivamente que as reparações das partes comuns afetas ao uso exclusivo de uma fração, como é o caso dos terraços de cobertura, são da responsabilidade do condomínio, salvo se a necessidade de reparação decorrer de facto imputável ao condómino que tem o uso daquele espaço;
  • Passa a ser possível a utilização do correio eletrónico para troca de correspondência entre administrador e condómino e vice-versa;
  • As assembleias de condóminos podem realizar-se, em segunda convocatória, meia hora depois da hora agendada, desde que, nessa altura, os presentes representem, no mínimo, ¼ do valor total do prédio;
  • O regime provisório, criado por causa da pandemia Covid-19, que permitiu as assembleias por meios de comunicação à distância, passa a estar previsto na lei a título definitivo;
  • Maior dever de informação aos condóminos por parte do administrador do condomínio, que também passa a estar obrigado a instaurar ação judicial para cobrança de dívidas no prazo de 90 dias a contar do primeiro incumprimento, desde que o valor seja igual ou superior ao indexante dos apoios sociais que, nesta altura é de 443,20 euros;
  • condomínio é sempre representado em juízo pelo administrador, que também passa a poder apresentar queixas-crime;
  • A eficácia das deliberações da assembleia de condóminos não depende da assinatura e ou subscrição da ata, mas apenas da aprovação desta;
  • Os juros e mora e as sanções pecuniárias podem passar a ser incluídas na ação executiva de cobrança;
  • Condóminos estão obrigados a informar o administrador do número de identificação fiscal, morada e contactos telefónicos e de e-mail e a informar também os elementos de identificação do comprador, no caso de alienação da fração.

Muitas medidas “não são claras”

Segundo Vítor Amaral, “apesar do grande elenco de alterações” que a APEGAG considera positivas, “muitas ficaram aquém do expectável e desejável”. “Mas pior ainda é o facto de muitas delas não serem claras e proporcionarem interpretações e consequentes aplicações distintas, com a incerteza jurídica que isso cria”, avisa.

Algumas das críticas apontadas pela APEGAG

  • Num artigo (1424º do Código Civil – CC) diz-se que as despesas do condomínio são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações e noutro artigo (1424º-A do CC) diz-se que a responsabilidade pelas dívidas é aferida em função do momento em que a mesma deveria ter sido liquidada e que os encargos de condomínio que se vençam posteriormente à transmissão são da responsabilidade do novo proprietário, o que nos parece uma clara incoerência entre as duas normas, embora se possa dizer que a última se refere aos casos de alienação;
  • O artigo (1424º do CC) que define que as reparações de conservação nas partes comuns de uso exclusivo de uma fração são da responsabilidade do condomínio, diz-nos também que essa regra se aplica quando afete as partes comuns. Ora, por exemplo, no caso dos terraços de cobertura, os primeiros a ser afetados quando haja uma infiltração por falta de estanquicidade são as frações imediatamente por baixo, o que parece, numa interpretação à letra, que, nestes casos, a reparação não tinha de ser suportada pelo condomínio;
  • A norma (1431º do CC) que impõe a realização na primeira quinzena de janeiro das assembleias para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento manteve-se, sendo criado apenas um regime excecional para realização dessas assembleias no primeiro trimestre do ano, mas, repete-se, apenas de forma excecional. Ora, é humana e materialmente impossível uma empresa de administração de condomínios que tenha na sua carteira algumas dezenas de condomínios realizar as assembleias ordinárias em período tão curto, o que demonstra que o legislado desconhece em absoluto a realidade deste setor de atividade. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que aquela norma não é imperativa, por não salvaguardar interesse de terceiros, o que significa que nada impede que os condóminos aprovem um exercício do condomínio que não seja coincidente com o ano civil. Por exemplo, se um exercício económico de um condomínio iniciar no dia 1 de maio, termina esse exercício a 20 de abril, sem a violação de qualquer norma imperativa. O legislador poderia e deveria ter alterado esta norma de forma a permitir a realização das assembleias designadas de contas, no prazo de 90 dias, ou outro prazo, após terminar o respetivo exercício;
  • No que respeita à introdução da possibilidade de utilização de correio eletrónico entre condóminos e administrador e o contrário, apesar de ser de saudar, é mais o exemplo de uma deficiente construção normativa, porque impõe que os condóminos manifestem essa vontade de receber correspondência do condomínio por e-mail em assembleia, devendo ficar a constar da ata o respetivo endereço de correio eletrónico, que é um dado pessoal e, como tal, poderá vir a ser considerado como uma violação do Regulamento Geral da Proteção de Dados, quando teria sido muito mais simples, objetivo e inatacável, que os condóminos emitissem declarações individuais a manifestar essa vontade e a identificar o endereço de correio eletrónico;
  • Ainda sobre o correio eletrónico, a lei prevê que os condóminos emitam recibo de receção dos e-mails que recebam, como, por exemplo, com as convocatórias e comunicação das deliberações. Porém, não determina qualquer prazo, nem cominação, o que leva a questionar o seguinte: por quanto tempo deve o administrador aguardar esse recibo? Se algum condómino não emitir o recibo de receção do e-mail considera-se ou não convocado/notificado?;
  • Está prevista a subscrição da ata por correio eletrónico, mas não se prevê também qualquer prazo para essa subscrição ou qualquer cominação, o que levanta o mesmo problema ao administrador, por não saber quanto tempo aguardar e o que fazer caso não receba a subscrição;
  • No caso das assembleias de condomínio através de meios de comunicação à distância, o regime provisório previa que, na impossibilidade da sua realização por aqueles meios, teria de ser realizada no modelo misto ou presencialmente. Com esta alteração, eliminou-se a possibilidade de realizar a assembleia no modelo misto, o que é um absurdo, por ser a forma de realização mais utilizada, na medida em que, na maioria dos condomínios, há sempre alguns condóminos que não aderem à componente virtual e, desta forma, o legislador retira a possibilidade aos restantes de participarem na assembleia sem estar fisicamente presentes;
  • fundo comum de reserva serve para custear despesas de conservação e visa evitar a degradação do edificado. No entanto, o legislador vem agora permitir que este fundo possa ser utilizado para outro fim, embora imponha, sem qualquer cominação, que seja restituído no prazo máximo de um ano. Certo é que a lei, ao permitir esta utilização, vulgariza o fundo de reserva, que já é difícil de constituir, por falta de incentivo para a sua constituição;
  • Apesar da obrigatoriedade dos condóminos identificarem ao administrador o seu número fiscal, morada e contactos, não prevê qualquer prazo nem cominação, o que torna a norma inócua, quando existem milhares de execuções para instaurar por desconhecimento do número fiscal dos condóminos. Além da cominação pela não apresentação desses elementos, a lei deveria possibilitar que o administrador do condomínio tivesse legitimidade para obter o NIF junto dos respetivos serviços de finanças.

“Legislador poderia e deveria ter ido mais longe”

O presidente da direção da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APEGAC) considera ainda que “além destas críticas, que merecem reflexão, o legislador poderia e deveria ter aproveitado a oportunidade para ir mais longe e ter abrangido outras situações”.

Que situações deveria a nova lei também abranger?

  • Impor a obrigatoriedade do seguro coletivo do edifício e não apenas o seguro contra o risco de incêndio, que é o único obrigatório. Da forma como a lei se encontra permite a realização de seguros individuais, mistos ou coletivos, quando os primeiros acarretam grande dificuldade de gestão sempre que haja um acidente nas partes comuns;
  • De forma a estimular a realização de obras de conservação e até de adaptação para as novas exigências energéticas, com metas nacionais que terão de ser cumpridas a curto e médio prazo, deveriam ser criadas linhas de crédito para os condomínios, sem impor o aval de todos os condóminos, o que torna impraticável qualquer pedido de financiamento, bem como a aplicação da taxa mais reduzida de IVA para tais obras e alterações;
  • Deveria ser obrigatório, para criar maior segurança para os cerca de cinco milhões de portugueses que vivem em condomínios, o administrador do condomínio contratar um seguro de responsabilidade civil profissional;
  • As contas do condomínio, que são uma enorme fonte de fuga ao Fisco, deveriam ser apresentadas, mesmo que de forma resumida, na Autoridade Tributária.